A ordem natural da pássara
I - Anúncio
O pássaro,
voando, traz a mensagem:
não é
aconselhável o esforço em direção ao alto.
Assim, segue obediente, a voo baixo
plano e prumo, ora sim
ora tanto deslocado
haja vista o grande calor dos fatos.
Um pássaro
deve permanecer no ninho
até
emplumar-se.
Aninhada, empluma-se a pássara,
ganha corpo e graças.
Relativa, porém, é a autonomia de voo.
Pássaro pode mais.
II - Ordem natural
Em seu voo o
pássaro encontra o infortúnio.
Isso ocorre
porque ele se afastou da ordem da natureza.
Não é para menos.
Um olho segue
debicando a paisagem
outro mira-se no sol, desolado.
Esforço persistente é
reconhecer-se
na ordem natural das pássaras.
III - A gemer
A ave azul voa invisível em meus sonhos.
No tempo da vigília, ainda persistem
a memória do ruflar de suas asas,
seus pios apenados a gemer:
amor! amor!
amor!
IV – Noturno da pomba
Nuvens
densas. Nenhuma chuva vem da nossa região oeste.
O príncipe
atira e atinge aquilo que está na caverna.
A princesa adormece encantada.
A pomba encanta despertada.
Traz o peito vermelho úmido,
desmanchado.
Ai, pombinha, de olhinhos poucos,
de biquinho cálido!
Mira, pombinha, que sexo tão frágil!
Por quê? Por quê? Por quê?
V – O fogo
Tenho um pássaro atado em meu pescoço.
Tenho a cabeça rodeada pelas nuvens.
Trago um ramo de oliveira e persigo
até o cume dos rochedos, a arara
o celeste avatar do fogo.
Língua de pássara é tudo o que desejo.
VI - A preponderância do pequeno
Pombo ao rés do chão
cobiça ávido o amarelo,
grãos de milho derramados.
O desperdício ou o acaso
são seu particular tesouro
encontrado
meio à poeira.
VII – O grito
Se um
pássaro levanta voo no momento em que deve ficar quieto,
ele
certamente cairá nas mãos do caçador.
Aquieta-te, pássara! Por ora!
Dorida mais que a fratura
ao fim da queda livre
asas feitas em penachos
peito exposto do avesso
serão as mãos em teu pescoço
calando-te o grito.
France Gripp (Francirene Gripp de Oliveira) é mineira de Governador Valadares radicada há vários anos em Belo Horizonte. Poeta e ficcionista com vários títulos publicados, entre os quais a coletânea de poemas Coração incendiário e a novela As aventuras de Bera Titan recém-lançada pela Outubro Edições. O poema inédito “A ordem natural da pássara” se faz a partir de uma relação intertextual com o I Ching, clássico "Livro das mutações" dos chineses. Os versos em itálico correspondem a transcrições literais do Hexagrama 62 desse livro. As imagens são ângulos da monumental "Phoenix", escultura de Xu Bing, um dos maiores nomes da arte contemporânea na China. O mito da ave gigantesca, a "Fenghuang", dos chineses se difere da "Fênix" ocidental na modernidade sobretudo por harmonizar macho (Feng) e fêmea (Huang) numa mesma entidade feminina - pássara empoderada, pode-se dizer.
Muito bom. Gosto e aprecio a revista, a poeta,o poeta. "Língua de pássara é tudo o que desejo." Me representa. Abraços.
ResponderExcluirMais um belo poema de France. Que liberte outros, muitos outros, para deleite nosso.
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