PAGINOITE MESMO
NO HELICÓPTERO
signações
de
corvos
endemoniados
latentes laterais
fantasmagóricos
punctos
apoderam-se
das sirenes
riscam
o sonho fágico da transpossibilidade
a hélice oblíqua
o
respirar
ainda
assim
[não
uma sobrevida abjeta dispensável
não há sobrevida aqui]
asas fechadas da miséria
e
as tintas negras do delírio movem-se sanguíneas
êmicas
na
véspera
deixam
rastros de
esquizoletras
– em breve –
migratórias
TRIGÉSIMA SÉTIMA
LEITURA OBLÍQUA DE O
CORVO
corpo
escravo do
crasso
chão – desfigurai-vos
isto é o corvo isto não
é o corvo
suas
escamas negras estão
embebidas
de mar abissal
não
há voo possível
melhor
mergulhar numa intensidade vertical
antipássaro
monolito
sobre si mesmo
esmagando
o coração coagulado
cubo
de mil metros cúbicos
transatlântico
carregado de
chumbo
decalcando
uma lâmina de penas
até
que seu corpo disperso no
piche
seja
uma escrita indecifrável and
nevermore
venho
nem
carne ou vidro
mas
um mapa borrado na semelhança das memórias
diluídas
de
debaixo do pneu do caminhão
a
ave sou eu
SEISCENTÉSIMA QUARTA
LEITURA OBLÍQUA DE O
CORVO
e
o
que ouço é o grito de macunaíma
minha
primeira ave bastarda
antes
o do
guesa
ícaro
no automático
venho
pulverizado de creta
a
ave sou eu
NONINGENTÉSIMA QUADRAGÉSIMA SEGUNDA LEITURA
OBLÍQUA
DE O CORVO
cortinas
de fumaça tóxica vestem de invisibilidade o
corpo
de
dezesseis
mil meninas com
déficit
de atenção no haiti
outras
deliberadamente se
jogam
na frente de locomotivas em
ruanda
a
máquina pia [colônia penal]
e
cada uma repete nevermore
ou
cobrem o rosto assexuado com
a
grande pálpebra da dor
a
china liberta seus
pombos
amarelos reengatilha o mar vermelho mas
é
apenas sêmen-látex e eis que
não
posso voar enquanto
uns
claros sinais de abandono cifram o
quarto
de onde espio pela
janela
da web
a
grave noite do
mundo
venho
provisoriamente e façamos de conta que
ave
existo
DEZOITOMILÉSIMA LEITURA
OBLÍQUA DE O CORVO
amordacem
a
ave
tomografem-na
soterrada
em
pleno voo meteoro fóssil
lixem
suas plumas
de
tungstênio
numerem-na
ela
vem vindo
desmontem
a capsula escura
decalquem-na
atrás do
tempo
inscrevam-na
duvidem
dela
ou
cubram o espelho com
a
lama da glosa
desescrever
reescrevendo
venho
[e quem não?] desse escombro
a
ave, ora,
PÓS-REVOADA-LEITURA-OBLÍQUA DE O
CORVO
procura-se
ave preta
reta
muda
[fingida]
corvus corax
apóstata
arrivista
ave
metálica
foge
grave e nobre ao menor sinal de
escuridão
[como um desescritor]
bico
forte e curto
necrófaga
[dissimulada]
nidifica
entre fevereiro e março
entre
escrita e
morte
seu
ninho em forma de grande taça
onde
bebe noite e língua
tem
de metabolizar putrefações
procura
a pressão atmosféricas de grandes alturas
[mas
nem sempre]
ícone
humílimo no bestiário medieval aberdden
predilecto
pássaro no álbum de retratos de odin
a
comer guerreiros mortos
procura-se
ex-branca
ave tingida por apolo
nigredo
estado
inicial
a
língua remota
venho
de dentro da pele
a
ave soou
[ouçam
o multíplice ruflar de asas]
O poeta mineiro Alexander
Nassau, radicado há alguns anos em Vitória (ES), vem construindo, desde meados da década de 90, uma surpreendente poesia-escritura, num limite convulso entre o sentir e o fazer. Publicou os poemas de O tempo da curva pelo selo
Aves de Água e atualmente prepara Coreografia de um barco extinto. Ensina Literatura
e Língua portuguesa na rede federal e realiza Doutorado em Literatura Portuguesa na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), com pesquisa sobre a portuguesa Fiama Hasse Pais
Brandão. A imagem é de Van Gogh (1853/1890).