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domingo, 17 de março de 2013

Seis poemas de Alexander Nassau



 




PAGINOITE MESMO NO HELICÓPTERO


signações de
corvos endemoniados
                 latentes     laterais
     fantasmagóricos
punctos
apoderam-se das sirenes
riscam o sonho fágico da transpossibilidade
         
    a hélice oblíqua
o respirar
   ainda
   assim
[não uma sobrevida abjeta dispensável
                não há sobrevida aqui]
     asas fechadas da miséria
e as tintas negras do delírio movem-se sanguíneas
êmicas
na véspera
deixam rastros de
esquizoletras
               – em breve –
          migratórias







 
TRIGÉSIMA  SÉTIMA  LEITURA  OBLÍQUA  DE  O  CORVO


corpo escravo do
crasso chão – desfigurai-vos
                       isto é o corvo isto não é o corvo
suas escamas negras estão
embebidas
     de mar abissal

não há voo possível

melhor mergulhar numa intensidade vertical
antipássaro

monolito sobre si mesmo
esmagando o coração coagulado
cubo de mil metros cúbicos
transatlântico carregado de
chumbo
decalcando uma lâmina de penas
até que seu corpo disperso no
piche
seja uma escrita indecifrável and
nevermore

venho
nem carne ou vidro
mas um mapa borrado na semelhança das memórias
diluídas

de debaixo do pneu do caminhão
a ave sou eu





SEISCENTÉSIMA  QUARTA  LEITURA  OBLÍQUA  DE  O  CORVO


e

o que ouço é o grito de macunaíma
minha primeira ave bastarda

antes
o do guesa

ícaro no automático
venho pulverizado de creta
a ave sou eu




NONINGENTÉSIMA  QUADRAGÉSIMA SEGUNDA  LEITURA  OBLÍQUA
DE  O  CORVO


cortinas de fumaça tóxica vestem de invisibilidade o
corpo de
dezesseis mil meninas com
déficit de atenção no haiti
outras deliberadamente se
jogam na frente de locomotivas em
ruanda
a máquina pia [colônia penal]
e cada uma repete nevermore
ou cobrem o rosto assexuado com
a grande pálpebra da dor
a china liberta seus
pombos amarelos reengatilha o mar vermelho mas
é apenas sêmen-látex e eis que
não posso voar enquanto
uns claros sinais de abandono cifram o
quarto de onde espio pela
janela da web
a grave noite do
mundo

venho provisoriamente e façamos de conta que
ave existo




 

DEZOITOMILÉSIMA  LEITURA  OBLÍQUA  DE  O  CORVO


amordacem
a ave
tomografem-na
          soterrada
em pleno voo meteoro fóssil
lixem suas plumas
de tungstênio
numerem-na
ela vem vindo
desmontem a capsula escura
decalquem-na atrás do
tempo
inscrevam-na
duvidem dela
ou cubram o espelho com
a lama da glosa

desescrever reescrevendo
venho [e quem não?] desse escombro
a ave, ora, 










PÓS-REVOADA-LEITURA-OBLÍQUA  DE  O  CORVO


procura-se ave preta
reta
muda [fingida]
corvus corax

apóstata
arrivista
ave metálica
foge grave e nobre ao menor sinal de
                                     escuridão [como um desescritor]
bico forte e curto
necrófaga [dissimulada]
nidifica entre fevereiro e março
entre escrita e
morte
seu ninho em forma de grande taça
onde bebe noite e língua

tem de metabolizar putrefações
procura a pressão atmosféricas de grandes alturas
[mas nem sempre]
ícone humílimo no bestiário medieval aberdden
predilecto pássaro no álbum de retratos de odin
a comer guerreiros mortos

procura-se
ex-branca ave tingida por apolo
nigredo
estado inicial

a língua remota

venho de dentro da pele
a ave soou
[ouçam o multíplice ruflar de asas] 










O poeta mineiro Alexander Nassau, radicado há alguns anos em Vitória (ES), vem construindo, desde meados da década de 90, uma surpreendente poesia-escritura, num limite convulso entre o sentir e o fazer. Publicou os poemas de O tempo da curva pelo selo Aves de Água e atualmente prepara Coreografia de um barco extinto. Ensina Literatura e Língua portuguesa na rede federal e realiza Doutorado em Literatura Portuguesa na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), com pesquisa sobre a portuguesa Fiama Hasse Pais Brandão. A imagem é de Van Gogh (1853/1890).