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domingo, 27 de janeiro de 2013

Dois poemas em prosa de Daniel Faria

 
 
 
 
 





Os sete matizes da suspeita


 

            A mão cheia de anéis tira a máscara com rosto de mulher – outra máscara com rosto de criança – outra máscara com rosto de bandido – outra máscara com rosto de louco – outra máscara com rosto de lobisomem,

           

            animal, pura voz

 

de dor.

 

            Mão sem veias, com fios elétricos desencapados ao redor dos ossos. Sete anéis em cinco dedos, por trás de tudo isso um matiz de rosa impossível, cor de rosa contraindo-se como sangue sugado por buraco-negro de sete estrelas conjugadas: a cidade é pintada com as cores delirantes do general lírico.

 

            Seu nome consta nas listas de torturadores. 



 


 

 
História, predadora

 

             1.
 
Com os dois olhos que brotam gotas de pus na extremidade de dois canudos cheios de cerda e lodo, o molusco tateia a realidade externa ao seu exoesqueleto, sua carne frouxa não seria páreo para a força bruta dos peixes e suas bocas de centenas de dentes e por isso ele se esconde por trás de algo que simula a impassibilidade mineral – ele tateia, gira os olhos pelo ambiente, antes de sair de dentro de sua caverna óssea para a caçada. Pois é, o nosso torpe amigo também é predador.
 
Há predadores em toda parte, inclusive por dentro de sua carne viscosa, nojenta de engolir como um chiclete. Se não foi hoje, vai ser amanhã.
 
Oceano é destino bruto e sem lei. 

   

            2.

Aquele planeta sombrio é um aparelho de sucção de energia de explosões cósmicas, como os ouvidos sugam palavras absurdas que tentam capturar a delicada malha do caos, há um homem usando um terno de fina qualidade escrevendo roteiros históricos nos porões da tua mente e tua boca vomita e os dedos teclam –

Como é gostoso o gozo fascista.










Poeta e historiador, Daniel Faria é um dos nomes expressivos do cenário poético paulistano hoje. Escreveu O Mito Modernista, publicado pela EdUFU em 2006. Publicou ainda Matéria-Prima, pelo projeto Dulcinéia Catadora em 2007, e foi incluído na Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea, organizada por Marcelo Ariel e editada pela Caiçaras. Seu Livro de Orações foi lançado em 2012, pela série Caixa Preta da Lumme Editor. Outros textos de sua autoria podem ser encontrados no blog linguaepistolar.blogspot.com e na revista Mallarmargens. As imagens são do extraordinário pintor colombiano Fernando Botero (n. 1932), o mestre da artecrítica  pela via da abastança corporal.