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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cinco poemas negros de Anelito de Oliveira

Cor local

A verdade é branca.
Não me peça que a diga.
A verdade
É branca, não me peça
Que a sinta.
A verdade é branca,
Não me peça que
A veja.
A verdade é
Cruelmente
Branca.








Dizer eu

Queria apenas dizer eu não sabia que era tão escuro assim que entraria num outro mundo que torna-se mais fundo mais fundo mais
Queria apenas dizer eu e ainda está tentando tentando dizer eu não sabia que não tinha fim não sabia que não tinha língua não sabia que se perderia
Cada dia mais só cada noite mais cego mais mais mais
Queria apenas dizer eu












A canção do menino negro


Ele canta. Ninguém entende nada,
Ninguém o vê ali. Mas ele canta.
Canta numa outra língua, num
outro mundo. Como um menino,
Ele canta, canta sem saber o quê.

Enorme, com um corpo que não
Cabe em si mesmo, ali está ele.
Não parece um menino, mas não
é um homem. Cantando, como
Quem reza, vai-se encantando.

O que canta? Olha pela janela do
Ônibus, e canta. Um canto escuro,
oco, no limite do desaparecimento.
Olha lá fora, longe, e canta para
Dentro de si, no além. Ele é negro.










Negrontologia


O negro não é.
O negro é isso que não é.
O negro é o não.
Tudo que não é, é negro.
Tudo que nunca foi nem será.
O negro não é.
O negro é o nada.
O que não pensa, não diz.
O negro em si é
O que não pode ser.
Tudo que não pode ser
É negro.
O não-ser.










Detalhe

Nada esperam de você
Ainda que faça tudo
Mesmo que faça tudo
Nada acham do que
Você pensa ou diz
Fazer no seu mundo





Anelito de Oliveira, editor deste Kadernu di Ynwenssões, é autor de cinco coletâneas de poemas - "Lama" (2000), "Três festas a love song as Monk" (2004), "Transtorno" (2012), "Mais que o fogo" (2012) e "A ocorrência" (2012) - e do ensaio "A aurora das dobras" (2013), além de inúmeros textos de criação e crítica publicados em periódicos especializados impressos, como Coyote (Londrina), Revista da USP (São Paulo), Dimensão (Uberaba), Pensar (Belo Horizonte), e digitais, como Zunái (São Paulo) e Eutomia (Recife). As imagens aqui reproduzidas são do baiano Mário Cravo Neto (1947-2009), responsável por um dos gestos mais extraordinários de visibilização da comunidade negra, especialmente da Bahia, através da fotografia. A reprodução tem como finalidade, sobretudo, homenagear esse artista decisivo no processo de construção de uma ainda sonhada consciência negra no país. Todos os poemas, produzidos nos últimos três anos, são aqui publicados pela primeira vez.