MARIGHELA’SAMBA
Quem
samba fica
Quem
não samba vai embora
Quem
anda fica
Quem
não anda vai embora
Quem
ama fica
Quem
não ama não namora
Quem
sangra finca
Marcas
vermelhas na história
Quem
samba estica
Quem
não samba não demora
Ora
O
samba é ambas
A
alegria e o que descamba
O
samba é o bamba
Que
sacode enquanto zomba
O
samba é bomba
Que
explode quando é hora
O
samba é coro
Que
sorri enquanto choro
O
samba é morro
–
De morrer – e é da vida
O
samba é dela
É
também de Marighela
INVOCAÇÃO
Musa
inspiradora
Musa
exploradora
Musa
expiadora
Musa
piradora
Musa
dura
Musa
que me usa
Musa
que lambuza
Musa
que abusa
Musa
obtusa
Musa
suja
Musa
que sufoca
Musa
que pipoca
Musa
que fofoca
Musa
tão confusa
Musa
imperatriz
Musa
mera atriz
Musa
meretriz
Musa
por um triz
Dominatriz
Musa
que põe mesa
Musa
– que beleza!
Musa
que me acusa
Musa
que recusa
Minha
música
LIÇÕES
DE SIR LANCELOTE
É
tão triste ser um cavaleiro medieval
Ainda
mais nos anos de dois mil e tal
De
que val’ seu amor cortês
Sir
Sagramor
Se
é um amor inútil
Talvez?
De
que serve o seu amor
Sir
Percival
Se
é um amor inútil
Paixão
de um ideal?
É
bem difícil ser um cavaleiro andante
Em
meio aos carros e edifícios gigantes
É
muito triste ser o trovador de uma mulher
Ainda
mais quando ela não lhe quer
O
que é que val’
Sir
Galvão
A
vanglória desse amor
Se
é um amor em vão?
De
que serve o seu amor
Sir
Tristão
Se
é um amor
Tão
triste então?
De
que val todo seu feito
Sir
Galahad
Com
seu amor perfeito
Pela
metade?
PSEUDOMORFOSIS
Me
voy a dormir un rato
Cubrirme
de un rastro de estrellas
Olvidarme
de mi nombre
Soñarme
que soy ratón
Una
cucaracha o un ratón
Talvés
la metamorfosis
Sea
lo que tengo de hombre
O
quizás mis esquimosis
Sólo
resulten de el hambre
Yo
quiero dormir un rato
Y
si el insomnio me asola
Yo
destruyo los retratos
Que
un día hicieron de mi
Y
esperaré por la noche
En
que harán la canción
De
el hombre que dormió un rato
Y
entonces fue ratón
Una
cucaracha o un ratón
OLHOS
DE MANGÁ
Seus
olhos de mangá
mangam
de mim
Seus
olhos de mangá
me
enganam
Seus
olhos de ressaca
dizem
sim
Mas
para quem saca
dizem
não
Seus
olhos de mangá
mudam
de cor
Se
olham para cá
eu
vejo amor
Seus
olhos de ressaca
mudam
tudo
Se
olham para lá
eu
vejo dor
Seus
olhos de mangá
esmagam
Seus
olhos de mangá
de
maga
são
olhos grandes
gordos-magros
Seus
olhos de mangá:
estragos
Seus
olhos de ressaca
secam
Seus
olhos de mangá
me
molham
Seus
olhos de mangá
dão
fruto: manga!
Seus
olhos de ressaca,
flor:
manacá!
Seus
olhos de chorar
não
são os mesmos
Mas
são os mesmos
olhos
de mangá
Seus
olhos de ressaca
de
beber demais
são
olhos de ressaca
de
beber do mar
Poeta,
cancionista, professor de Teoria Literária na UFSC, o mineiro Jair Tadeu da
Fonseca, sem livro solo de poemas publicado, é uma das principais referências da cena pop brasileira nos anos 80, com notável atuação à frente de grupos de rock como o lendário O Último Número. “Esses
poemas foram escritos para se tornarem canções”, diz ele em nota enviada
juntamente com estes trabalhos, “entretanto, podem e devem
ser lidos, como os poemas dos líricos gregos, trovadores medievais e dos atuais
poetas da canção popular”. As imagens, todas extraídas da Internet, são do artista plástico Raymundo Colares (1944/1986), um dos grandes perturbadores do pensamento plástico nos anos 1960/70, nascido e "suicidado" nas cidades sertânicas de Grão Mogol e Montes Claros, respectivamente.