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sábado, 10 de agosto de 2013

Aurora resplandecente da poesia / Angelo Oswaldo de Araújo Santos





Anelito de Oliveira está entre os intelectuais que merecem atenção e interesse pela diversidade da produção que apresenta. O desejo de criar e de participar leva-o a experimentar e romper, investigar, buscar e fruir o mundo a partir de dados reais e simbólicos intensamente convulsionados em seu ser. Convidei-o para dirigir o Suplemento Literário de Minas Gerais, em 1999, e por quatro anos convivi com o fazer poético, o labor ensaístico e a inquietação ética e estética de que resultam produções extraordinárias de um talento maior. Ele terminara, naquele momento, o trabalho sobre Affonso Ávila. Mais que a tese brilhante ungida pela UFMG, o ensaio nasceu de uma apropriação da história do corpo-todo da poesia de Ávila, no questionamento da criação poética enquanto processo que vem de muito longe e não estaciona em fases ou se fecha em períodos. Poeta, Anelito transita em território do qual é íntimo e não se restringe aos parâmetros puramente acadêmicos diante do fenômeno que arrebata a sua leitura.

Marcado pelo concretismo, indo mais-além, e o diálogo com Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, Affonso Ávila viveu o drama das vanguardas, “na ânsia do artista moderno de representar sua própria diferença”. Viu sua poética ser projetada, nas últimas décadas do século 20, sob a ênfase do conteúdo político, em momento em que, pelos códigos da cultura mineira e do barroco seiscentista, nela foram cifrados os resíduos de resistência ao arbítrio e à opressão, à censura e à tortura. O primado barroquista identificado na formação cultural de Minas direcionou a instigante metamorfose operada pelo poeta sobre um patrimônio até então silencioso e opaco.









A poesia anterior de Ávila recolheu-se às estantes bibliográficas, esquecida na brevidade das referências.  Partindo do autor consagrado pelas vanguardas dos anos 70 e 80, Anelito voltou às origens do criador, aos “sonetos da descoberta”, em que se revela toda uma construção ainda em alicerces, e ao “açude” no qual se sacia e se reflete a imagem do caminhante, no início da grande jornada, que aparentemente tomaria outra direção a partir de “Carta sobre a usura”, no princípio dos anos 60. O estudioso se debruça sobre a “carta do solo” e na geografia montanhosa da palavra vê o efeito das dobras e um novo mito da caverna, o corpo-caverna que denota a presença feminina como simulacro barroco recorrente na obra de Ávila.

O ensaísta vai mirar a face do poeta laureado nesse espelho original, e tomar-lhe a barroquidade como o desdobrar das dobras, “pli selon pli”, esgarçadura da rocalha que se abre em dobramentos e se refaz em dobraduras, múltiplo uno em permanente alegoria da dobra. Cintila, em fagulhas fulgurantes, a erudição de Anelito de Oliveira. Em Gilles Deleuze, foi ele encontrar o conceito de dobra, o “pli” barroco que se multiplica no pensamento de Leibniz. Nas dobras do barroco, aparece então uma linearidade que integra o último ao primeiro Affonso Ávila, constituindo o “monumento” de que fala Antônio Sérgio Bueno ao sintetizar numa palavra o texto de Anelito. Monumento sobre monumento, o estudo e a obra são dobras da criatividade de dois poetas ensaístas, Anelito e Affonso, que se completam nessa tentativa de compreensão do ser e da transcendência por meio da poesia, e do seu desdobrar-se em verbo, e da melancolia, como sentimento barroco de estar em cena no desterro abissal do vasto mundo.









Angelo Oswaldo de Araújo Santos, ex-Prefeito da Cidade de Ouro Preto, é o atual Diretor-Presidente do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), órgão vinculado ao Minc (Ministério da Cultura). Eminente jornalista e crítico de arte, ex-Secretário de Estado da Cultura de MG, é um dos últimos e mais representativos intelectuais públicos do país. O texto aqui estampado foi escrito exclusivamente para figurar nas orelhas do livro A aurora das dobras: introdução à barroquidade poética de Affonso Ávila, de Anelito de Oliveira, que está sendo lançado neste momento pela Inmensa, com capa do poeta e artista gráfico ouropretano Guilherme Mansur. O livro está à venda na livraria Quixote em BH, onde também será comercializado em outras livrarias brevemente. Também entrará nas redes de livrarias pelo país nos próximos dias, mas já pode ser adquirido através do email da editora: inmensaeditorial@gmail.com