ÓPERA
I/ O FILHO DO OPERÁRIO
Quando aos cinquenta,
amigo de Francisco Fuorilegge,
amarei esse rato –
chave para uma infância
que absolve
os piores poemas.
Este, cujo assalto
se aninhará entre as pernas
da memória.
E será bendito, louvado
antes
que a hora chegue.
Quando eu tiver
a idade em que perdoar
é o móvel principal da casa.
Não agora,
aos sete:
o pão à mesa
ganho pelo pai
cevado pela mãe
cobiçado por mim e os anjos.
Para quem tocá-lo, rato
ou rei,
– a Sentença.
II/ ROSA, DISTANTE AMIGA
“A
consciência da história
é
triste”,
dizia
a líder
de
fileira sem ainda
ser
do sindicato.
“O
gado se alinha
com
roupa sport,
os homens com
argolas
ao
nariz.”
Dizia,
sem que nós,
flores
do
primeiro turno,
gêmeas
das
orquídeas
do
segundo,
tivéssemos
amado
a
rosa
de
Luxemburgo.
A
beleza nesse
conflito
é triste:
apenas mulher
& máquina se
têm
por companhia.
“Virá a hora”,
vestida
de palavras a
líder
insistia,
“em que à luz,
cada rosto
será
o futuro.”
Nós, que não
tocamos
o céu
de Luxemburgo,
somos a rosa,
o lírio, a
espera, a flora
que não se adia.
*
São duas, dez,
uma
centena
as
operárias. São
de
vária
procedência,
mas
o
lenço
torna
iguais as
cabeças.
Do
Grajaú ou
Meggiolário.
Da
última réstia
lunar.
Há
nelas o que
a
patronagem surta
por
não domar.
São
dez para uso
e desuso
da
máquina Made in
Suor.
Porém,
há nelas
um
cisma.
Um
repto de quem
fia
&
não confia.
*
“A síntese”,
assevera
a líder,
“se dá em vida,
quando a vida se
dá.”
Susto, em nós,
verdes.
Imponderáveis.
Os filhos
– esperem,
os noivos,
idem.
Por amá-los
recusamos a seda,
o
cinema,
a
solidão
do
corvo.
Nada
disse a líder
que
não
soubéssemos.
Fiar,
tecer,
coser, vestir:
não
é isso
a
história? mais
que
recitar
marx
entre planos
de carreira
e afagos?
A síntese, se
houver,
não
nos
contempla,
diremos
à
líder.
Imponderáveis
somos.
Mãos
de casa, em febre,
na manhã
silvestre.
III/ UM OPERÁRIO LÊ
um livro de poemas sobre
operários
e lamenta: – Não nos conhecem.
Vão às colunas de tebas, ao
inferno,
os poetas. Alguns com bolsas
do governo, outros que não
tecem,
pagam do próprio bolso. Em
tudo se parecem, até no bom
senso
de saberem: “Vamos ao mar,
porém,
separados. Transidos de metáforas,
os poetas; pela história, o
operário”.
Um operário lendo à porta da
fábrica
(coisa rara) ilustra os livros
do ensino médio, rende
trabalhos
que servirão de fundo aos
armários.
Por que um operário e mais de
cem
os poetas? Talvez o nome na
capa
multiplique o homem
e os homens atrás da máquina
sejam outra peça da
engrenagem.
No entanto, o poema lido
trabalha.
Edimilson de Almeida Pereira é uma
das vozes mais autênticas da poesia brasileira contemporânea, com uma obra
vasta marcada pela busca da precisa expressão de vidas e vivências que se dão à
margem de tempos e espaços hegemônicos, ideologicamente controlados. Em títulos
como O homem da orelha furada, Árvore dos arturos, Ô lapissi e outros ritmos de ouvidos
e no recente Homeless, Pereira logrou fazer da poesia uma casa dos outros todos sem casa no mundo das exclusões, um processo surpreendente de que este
"Ópera", até então inédito na rede e em livro, é exemplo. A imagem,
mostrando operárias de uma indústria da cidade mineira de Barbacena em algum
momento da história, foi extraída pelo poeta do encarte de um programa de apoio
ao grupo de teatro Ponto de Partida, que atua naquela cidade.