O
clima poético dos anos 1960 no Brasil está inscrito num documento hoje
precioso, que são os Anais do Segundo Congreso
Brasileiro de Crítica e História Literária [material publicado pela Faculdade de Letras de Assis em 1963], evento realizado na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (SP), de 24 a 30 de julho de 1961. Ali
Décio Pignatari [1927/2012] apresentou sua tese polêmica denominada “A situação atual da
poesia no Brasil”, problematizada exaustivamente por vários poetas e críticos, como Affonso Ávila [1928/2012], Augusto de Campos e Roberto Schwarz.
Pignatari detém-se em três dos esforços
poéticos que teriam estimulado, uns menos e outros mais, o “salto qualitativo”
da poesia concreta: o poema “Un coup de dés”, de Mallarmé, alguns momentos da
poesia de Carlos Drummond de Andrade e, sobretudo, da de João Cabral de Melo
Neto. Em Drummond, que o ensaísta considera um “bom mallarmaico”, é que
aparece, na poesia brasileira, um “fator novo”, que é “a questão de engagement
– necessidade, sedução, desafio e impossibilidade para a poesia (até agora)”.
Pignatari se reporta à ideia sartriana da poesia como “échec-réussite”, o
“fracasso-êxito”, para, finalmente, chegar ao dilema da poesia contemporânea,
que a poesia concreta vivenciava naquele momento: necessidade de engajamento
sem deixar de ser poesia, sem tornar-se prosa.
Escreve Décio Pignatari (1963,
p. 379-381): "Drummond
é o primeiro poeta brasileiro ‘em situação’, o primeiro a enfrentar a dura
luta: o subjetivo do incomunicável se exterioriza no objetivo poemático do
‘échec-réussite’ da poesia, para empregar a fórmula terrível, fundamental, de
Jean-Paul Sartre: (...) na poesia (contemporânea), a palavra é coisa e não mera
portadora de significados, como na prosa, onde o leitor a atravessa ‘como um
raio de sol atravessa um vidro’ (Valéry). (...) A contraposição sartreana
fracasso/êxito encontra correspondência na teoria da informação, em termos de
índices informacionais. A mensagem, entendida como carga de significados, é
menos entrópica, é ‘maior’ na prosa (êxito), e mais entrópica, isto é, ‘menor’
na poesia (fracasso), que é tipicamente não-discursiva, ainda mais quando
incorpora elementos da comunicação não-verbal, tal como acontece na poesia
concreta, que constitui a mais radical divisão de águas entre poesia e prosa,
na literatura contemporânea. Mas a questão não é tão simples, nem o problema
superado. Poesia concreta não é apenas palavra concreta, mas também relações
semânticas concretas".
Pignatari
termina sua tese afirmando que a poesia concreta daria o pulo
“conteudístico-semântico-participante”, mas em direção ao “fracasso” peculiar à
poesia. Teria o mesmo destino da poesia de João Cabral de Melo Neto, expresso
no seu poema “Anti-ode ou contra a poesia dita profunda”. O “engagement” de
Drummond não seria seguido, pelos poetas concretos, porque “seu resultado
poético não foi tão grande quanto seu êxito discursivo”. Dois aspectos da
poesia de Cabral, que em Drummond teriam sido sacrificados em nome do
“engagement”, colocam-na no horizonte da poesia concreta, como sugere
Pignatari: sua diferença radical da prosa, por um lado, e o fato de ser
determinada por um “projeto” também no sentido sartriano, que implica uma
sistematização dialética.
Cabral estaria, portanto, no caminho aberto por
Mallarmé, o poeta que “pela primeira vez na história da poesia moderna” aplicou
“a ideia dialética de projeto”, produzindo uma “poesia-onça” que “traz na
própria pele as suas pegadas”. A poesia concreta, diz Pignatari, “é a primeira
grande totalização da poesia contemporênea, enquanto poesia ‘projetada’ – a
única poesia consequente do nosso tempo”. Cabral é que permite que o “salto
participante” da poesia concreta não signifique uma perda do seu referencial
mallarmeano.
Disto decorre, certamente, a indecisão nesse “salto”, como revela
ainda Décio Pignatari (1963, p. 374-388): "Considerando-se
projeto a mediação entre dois momentos de objetividade, a poesia concreta se
encontra atualmente na situação em que se achava a Anti-ode. A onça vai dar o pulo. Até onde pulará para trás, para o
êxito do verso? Ou conseguirá levantar a maldição sartreana, o suficiente, pelo
menos, para prenunciar o fim da ‘poesia contemporânea’ (e este pode ser o
grande desafio ao seu poder de invenção)? A poesia concreta vai dar, só tem de
dar, o pulo conteudístico-semântico-participante. Quando – e quem – não se
sabe. Nem se será percebido, numa sociedade onde a poesia, sobre ser gratuita,
é clandestina. De qualquer forma, é preciso jogar os dados novamente. O projeto
é coletivo também no tempo."
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