DESVIO DO JÁ
1
não leia
não leia isso
fadado ao altivo
indiferente olhar
esse texto
quase inexistiu
mas quis ser vivo
recusou ser omisso
esse dito não há
é só um desvio do já
2
calor pio mugido
lidas no bafo da brisa
letras passarinham retinas
sentença revoa na sombra
estória pousa
no piscar sonolento
livro salta da mão
onírico verso da pausa
cabeça pende ao papel
e a tarde ígnea escurece
como inexistente lenda
esse dia nasceu no ocaso
3
subitamente
página é espelho
refletido olhar
cruzando o brilho
invertida palavra
especular sentido
chutando rimas
pisa parágrafos
desafia sílabas
acentos evita
o atalho da virgula
adentra o cristal
descobre o que diz
num relato falho
alfabética luz
revela um conto
piscante sentença
sem ponto final
4
aguarda o pedido
imagina o romance
no retardo postal
antecipa a leitura
livro ausente
supõe um poema
ditos sem data
soletradas horas
batidas na porta
cessam o hiato
rasgado embrulho
o volume acontece
5
trova verso
rima estrofe
suave segura
piegas irada
soneto balada
quarteto cantiga
solene ungida
carente amada
salmo protesto
elegia louvação
tímida vaidosa
moderna alterada
leitura sussurro
blasfêmia oração
chorosa arisca
maldita gritada
nenhuma fala
propõe mais poesia
que o primeiro risco
da obra que inicia
6
somente a semente
materna da árvore
desenha a folha
um pincel
através do tronco
numa vida futura
sucede a madeira
o papel
do pensamento
decola a ideia
pousando no plano
ditado
o quase não lido
que aqui foi colhido
é fértil silêncio
falado
Artista múltiplo de rara inquietação, João Diniz é belo-horizontino nascido em Juiz de Fora, cidade do inventor Murilo Mendes. Arquiteto atuante com seu escritório de projetos, professor universitário e palestrante, JD publicou os livros João Diniz Arquiteturas (2002), Depoiment
O discurso poético move corpo e alma em direção a uma saída que não se sabe bem se será encontrada pelo lirismo. Parabéns,poeta João!
ResponderExcluirEi France, a escrita é mesmo algo físico e espiritual, você conhece bem essa ação, obrigado por sua atenção e interações.
ExcluirAgradeço aos leitores, à Orobó e ao Anelito pela publicação desse texto e pelos diálogos recentes que ajudam na compreensão da literatura e da realidade. Abs. João Diniz
ResponderExcluirO João é um poeta que trabalha na fronteira da arquitetura da linguagem. Seus poemas não permitem espaços para sobras barrocas. Embora repleto do lirismo mineiro, como o outro João, o Cabral, atua na concisão. E pronto
ResponderExcluirObrigado Turiba, sua leitura e comentário iluminam o texto. Nos seus 'Desacontecimentos'também percebo essa concisão, o que me inspira e provoca. obrigado pelos diálogos.
ExcluirAdmirável esteta, arquiteto, cineasta, poeta
ResponderExcluirÚnico
Cria , recria traços, longos, espaços
Talvez
A página, o livro, a janela, a construção, o povo
Admirado
Espiando
Eternizará tudo
João... sempre João. Saudades de ti, amigo.