CHINÊS
Levantou
e foi buscar um café. "Maldita dor de cabeça!" Uma dor fina,
aguda, o dia arruinado.
-
Como se uma agulha esguia e comprida atravessasse o crânio e perfurasse o
cérebro, sabe? Um chinês de longos bigodes segurando a extremidade da agulha e
empurrando-a lentamente.
-
Por que um chinês?
Agora
pronto! Uma dor dos infernos, uma suadeira depois do café, um calor da peste e
ainda essa pergunta:
-
Por que não? Chinês não pode?
-
Só perguntei!
-
A dor é minha, ué? Se é chinês, japonês, árabe, que diferença faz?
-
Esquece!
Se
arrependeu da resposta grosseira, mas não pediu desculpa! Pedir desculpa
exigiria tempo, explicações, enfrentar o chinês, puxar-lhe os bigodes,
imobilizá-lo. Entrou no quarto, fechou as cortinas e deitou-se.
Ouviu
a porta batendo. “Agora foi!” Pensou no quanto a resposta atravessada ainda ia
render em acusações de grosseria, egoísmo, falta de cuidado. Sabia que não
adiantaria, mas tentaria explicar:
- Foi o chinês!
OPOSTOS
Dormia a
maior parte do dia. Ocasionalmente acordando para beber ou comer algo. Na verdade,
era sempre a mesma coisa. Ele comia sempre a mesma coisa. Espreguiçava-se, mas
com elegância. Caminhava até a cozinha lenta e silenciosamente. Tomava então
um gole, comia um pouco e voltava a dormir. Às vezes na cama, às vezes na sala de
estar, no sofá. Ia para lá, para a sala, quando desejava só um cochilo,
quando o barulho da digitação dela não incomodava seu sono.
De tempos em tempos, ela o assustava um pouco, ao apoiar o
copo na mesa de vidro com mais força, ao empurrar uma cadeira ou deixar cair uma caneta
no chão. Ele olhava para ela, com seus grandes e brilhantes olhos verdes, e fixava ali
o olhar. Poucos minutos depois, voltava a dormir. Passava os dias assim, confinado,
praticamente estático.
Quando acordado,
ou estava comendo, ou olhando, ora para ela, ora através da
janela. Raramente emitia som. A vida dela, por outro lado, era repleta de idas e
vindas, de altos e baixos, diferentes interesses e possibilidades, angústia e
alegria, sonhos e frustrações. Não tinham
nada em comum, mas ela voltava para ele, todos os dias. Ele lhe fazia companhia.
Doutora em Letras pela UNB, a jovem escritora Lorena Santos é tradutora-intérprete, ainda sem livro solo publicado. Mora em Brasília (DF), de onde vem disseminando seus escritos em prosa e verso através de www.innerbabel.blogspot.com.br, seu blog pessoal. As imagens são do extraordinário artista chinês Zhang Dali, nascido em Harbin em 1963, um dos principais ícones da arte urbana no Oriente.
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