explodiram fogos de artifício
cobriram-se os céus
de todos os lugares
vistas, telas, janelas
se encheram de luzes
aquário de vivazes
criou-se por instantes
um mundo sonhado de encantos
sorriso de princesa
idade de rainha
tomou posse a dona
travestida de donzela
antes que tudo virasse abóbora
coroando um fim perseguido
conseguiu dizer que alcançara chegar
agora,
enfim,
homenageava no devido lugar
os que tombaram pelo caminho
empossados de sentido
NEWTOWN, CONNECTICUT
20 CRIANÇAS PEQUENAS
a maioria daqueles que morreram
eram crianças
lindas criancinhas
com idades entre 5 e 10
anos disse um soluçante obama
no podiunzinho da casa branca
uma vez mais rubra e rubor
bandeira a meio mastro
luto nacional e oficial
elas tinham a vida toda pela frente
seus próprios filhos
aniversários, formaturas, casamentos,
divórcios, discursos, velórios
assassinatos em massa
A DEMOLIÇÃO
o pátio visto da janela está tomado por funcionários
muitos em pose estática cercam a cena
olham um outro fazer algo e acompanham seus mínimos gestos
um trator funciona seu motor e enfim há uma movimentação
o objetivo disso tudo parece ser desmontar um barracão
que já está sem telhas, impotente
com suas espinhas de peixe à mostra
como formigas diligentes rebocam um caminhão azul
que combalido ao ser arrastado parece estar podre de velho
tiram coisas sem fim de dentro do barracão
passam com um armário fechado e trancado e o deixam num canto
um curioso começa a estudar uma forma de abri-lo
agora passa um carrinho com espelho guarda-chuvas
e um mapa enquadrado da cidade virado de ponta cabeça
tudo segue para um outro barraco menor
do qual se duvida que possa engolir o maior
depois de puxar o caminhão pela frente agora o trator o empurra pela bunda
sai uma geladeira lá de dentro rebocada por três homens
um deles vai na frente com um rolo de arame grosso
quase do próprio tamanho, elevado do chão pelo braço
cones de trânsito encardidos, pretos e empoeirados como o cara que os carrega passa uma peneira uma cortina e uma bota com calça de se enfiar na lama funda
uma longa mangueira azul-céu que um cara tenta enrolar atrapalhadamente
outro homem encosta uma escada amarela e sobe nela até o teto
descobre uma parte que ainda falta arrancar
vários ficam em volta ao pé da escada
olham ora a mangueira sendo enrolada, ora o homem na escada
um desses sai de lado e tenta ligar uma torneira num pequeno tanque
cujo cano de escape da água acaba numa lata
a mangueira azul se vai carregada
o homem desce da escada e a leva a cinco metros de distância
apoia-se nela e fica olhando para onde estava antes
depois volta e recoloca a escada no lugar
outro leva um cabo de aço que acabou de enrolar
o cara da escada a toma nas costas e vai andando com ela embora
dois sobem na carroçaria do caminhão quebrado
e ficam fuçando em tranqueiras e peças velhas
que estão empilhadas na borda da cabine
um pega cada coisa e a examina atento
como se se perguntasse o que seria aquilo
depois jogam num monte de lixo fora do caminhão
uma moldura voa no ar e cai sobre um pneu
salva-se uma espécie de tampa, temporariamente reservada
com um pau, de cima do galpão o homem joga para uma correia com cadeado
caída ao lado do caminhão, um velho a pega e a examina
tenta abri-la até que desiste depois de longo tempo
e a entrega ao homem em cima do caminhão que tenta enfiar umas chaves
depois um arame e desiste, jogando-a para o lixão
agora ele mexe num saco de pedaços de mangueiras grossas de motor
e vários outros que apenas observavam chegaram mais perto
e já se insinuam enquanto o trator tenta derrubar uma viga
uma sirene toca e todos imediatamente param de perscrutar as coisas
e passam a se sentar nelas e nos cantos
enquanto vão comendo o que está nas marmitas
e olhando o estado em que está
a demolição
ADEMIR DEMARCHI nasceu em Maringá em 1960 e vive na cidade de Santos (SP). Doutor em Letras pela USP, é escritor, poeta e editor da revista de poesia "Babel", um dos gestos editoriais mais significativos de fins dos anos 90 para cá na cena poético-literária brasileira. Dono de um verbo difuso, atravessado por pulsações estético-políticas, Demarchi publicou, entre outros inúmeros trabalhos, Os mortos na sala de jantar (Realejo, 2007) e Pirão de Sereia (poesia reunida, Realejo, 2012). Os três poemas aqui exclusivamente estampados, como se percebe, foram produzidos em face dos últimos acontecimentos no Brasil e nos EUA. As ilustrações, "performáticas", são do próprio autor.
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