Páginas

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Dois poemas fáusticos de Ricardo Pedrosa Alves


Introdução ao falso Fausto de Valéry








propõe um roubo, sedição – deixa a luz ser sua, ela que sabia dos rodapés e porões
lista os desejos como um campo de pouso, apossar-se dos voos dos vocábulos
um matadouro?, máscaras que suam, contar no seu peito os pelos e a ideia
presta conta antes do conto, diz é o alemão, que roubou do povo, de quem roubo
sou um desajeitado, apago os projetos, estilhaço me chama pelo nome, ou o-metades
começa o bis, ele e lust, lust ri, ele faz que nem, não, nunca, rir?, nem, quem?, ele-eu
gabinetam a luz de dentro, vá rir lá ou nem e lust sim, sir, rir de isso isso, ideia ri?
faz mais o não faz, lust, faz o convulso rústico, da alma o flato fácil, faz lust lisinha, faz
não, diz lust, faço o riso louco, onde, seco, não vais, vou, não vais, saradinha, sinetinha
taras do autor notório larápio de filetes de limonadas de linguagem com sardinha
quer lust lolitada no limo do olho velho ver sair dali moninhos moídos em moinhos
o belezável dela em cio, sua veia atriz da tarde de sarda e ditados, palavras tateantes
faz errado que eu gozo, lust, o capítulo orvalhado na perna suspensa por um dardo
diz que eu digo o que gosto, lust, não respeito mais o nominável e o nomeador
quase bufo de ferpas de urro, fustiga lust sobre a lesma de um nome de sexo burro
sexo burro pode ser o título da aventura, costura bosta na boca de lust e a surra
fausto fustiga o muito revolvido, religa os acidentes numa carne inconsútil e dura
quer o lembrar do leitor, numa briga, quando o fato e o boato combinam missa
mas é tosca a bossa do seu gesto, cola com cuspe o bricolado de citações do cio
lust é quem salva a cena, acenando ao acidente e ao que passa, o vento, a ave
sabe que o mestre mastiga o roto, abriga no reto relógios passados, retardos retratos
um espantalho o velho fausto, barbas de molho e o miolo rodopiando quixote 3 por 4
comeu viagra o demo? fica afagando as pérolas da orelha de lust, folgando em vê-las
quer que ela acredite nele, seus erros memoráveis, colhões de alcova por seu aplauso
lust, me bata, falta que diga o dono, tanta a adoração na luz dos olhos da mulata
lust que baila e destrói as regras do suposto sábio, cristal de lust e luz na página
que ela fale, pede-lhe, coloque em caixas aquilo que se espalha, nomeie os furores
é o que lhe pede fausto, um diário a ser queimado, com todas as considerações
lust convoca à conversa o vate do erro, o não, aquele, o morfeuzento, o insereno
sabendo se o patrão, como todo patrão, fez o contrato provável, se assinou na veia
e ele nem mais se lembra, nem sabe, nem confirma, nem entende a velha celeuma
discutem o que é o inominável, o artigo fascista, o gosto de cerveja no mijo, a jaula
que ele é a quilo, o que ele é sendo o que é, orvalho belo, celas de cadeia e de monge
mongo dança na areia e sem marcas, voa na lua nova e a vemos cadela plena, ele o-ela
enfim chega o hóspede de sotaque estrangeiro, ardendo de cecê, mas limpo pince-nez
lust me deixe, manda fausto, o meio alto e meio baixo me veio ver, não ver por ver
estão na ceia ou na jaula burguesa o credor e o devedor, enredados em redondilhas
cuspindo na mão e dando bom dia, apostam de lust o fígado de açude em pérolas
o homem é clérigo (não o homem, o de sobrecasaca, seu cheiro o disfarçando fácil)
é que a dívida trai quem a contrai, a baba do moço-com-credicard chama ao telefone
o diabo vem, fica falando em consoantes, abdica mesmo da ignorância fingida
sim, fausto, vale sua vida furar a transparência, a louca ardência da lança na mulata
rodam a sala em duelo de impérios, retrai-se o tolo que quer reescrever o dolo
que me chamou, grita-lhe o demo, se não vale o que mostra a calça ou nome varão?
se o monte que as pernas cantam, o lago de plantas plenas, se os nega e à rede volta?
quem deve talvez sejas tu, sem ‘fausto’ no largo de um povo-shopping, repõe fausto
quero também no teu nome coroar um desígnio, trono riscado na barriga de meninos
és bruto, ó guedelho, teu luto já corre o mundo de espelhos sábios e sábias antenas
certo há raças que ainda somam ao escuro o teu nome: definham no bate-boca da tv
eu fausto sou o pleno pensamento e sei a medida entre meu braço e o que o olho alça
mefisto entorna a parentela do herói, rói os nomes dos raros tornando-os meros
o brilho de cada se esvai pois todos, enfileirados, numerados, posam o mesmo delírio
só fausto, assina o fistófeles, tem sina diferenciada, face rebelde e molde flamante
e é ele que sonha a suma, seus lábios liram os estilos vários, pletora tudo e todos
da mais miudinha à arraia graúda, castas dissolvidas no caldo das vozes, vomitório
o múltiplo com acidentes, todos os tomos, totalmente e ainda assim de repente
o menino que vai pra cova cobra do demo as letras de efeito, retoma o destino
quer o azeite dos erros, todos os costumes e faustos no meio e que o diabo ajude
seu giz não gira amiúde, e lust e aquele um, cada um no seu posto revisando faustos
o livro em si salvará o algoz, gozando juntos banqueiro e cliente, agora invertidos
que o capeta não tarda em sumir em vinheta, assegura o autor, nos tempos vindos
terão ambos assinatura, tudo posto, folhas de rosto com fausto e mefisto siameses
a fera do círculo nono não sabe que tudo, no mundo de fausto, faz riso do ido
mitos circulam na maquinaria de canos que chegam aos shoppings pelo subsolo
e a módicos preços engordam os meninos que sabem de tudo, do caos ao dinheiro
os diabos do mundo superam a besta, os ossos dos homens na mesma casca
não sobra senão o livro (mal sabe o fausto das fezes que livros deixaram nos feitos)
povinho da rua não compra do antigo, fazem u.s.a. com fungos nos dedos
e se rezam não é pelo eterno, mas pelo bolso cheio e a pele sem caroço (perdeu, satã)
restou o rock, escroque de almas, ficar vagando nas camisetas black dos nerds brancos
o mal melou nas pedras, zumbis petitos pedindo nos faróis (seu mal não medra mais)
e ouvindo tudo, sem rosto alto, as mãos nos bolsos, pelos muitos, suspira e diz o demo
assino tudo, pois é, assino o livro, assino as loas: seja o que o mercado editorial quiser




  
Introdução ao falso Fausto de Pessoa








antes do poema, a propaganda, ouvir o jazz que diz que nada é sim, tudo é por um triz
era o poema, o pessoa num salto de um vácuo a outro, ondas querendo sair da boca
boca que leva a nada, ondas levantadas para rebentação, ondas não, querendo ondas
poema que chega ao abismo, sabe do salto certo, voo de nojo nojo nojo, gira em zero
mais além, instante só não há que não seja corpo de mar de mineiro, minério dentro?
vejo o pessoa no corpo aberto ao lado, pedindo (concedendo, o diabo) se o estrague
descreve uma tarde de redondeza nas redondezas e a juvenília vê o inferno interno
no cós do livro a cor da palavra ou o que nela palrava e não o comunitário e o certo
um escuro escroto dentro não tanto do visto mas do vedor (desliza igual a gráfica)
desiste de sono de página, picado de verdades acrescenta um sinal de menos
a novilha bebia água na mão do quadro, o avião que se fotografou na pupila
deixa o livro aos vermes, roam o que não sabe, rolando na cama o dissolvido
quando só o pensamento e seu remordimento na luta vã de deixar o parquinho
beijando o vento eu era feliz, li o mundo e agora a poeira lenta lambe meus prismas
no frio sei pessoa que há pessoas e que há o que há e isso é tudo e é todo o mistério
e não sei se sei e nesse escuro as piruetas e os toques de sinos e as verdades meninas
quem passa olha (imagem que trema nos olhos) cavo o senhor cãs do desterro
brisa de luz, a seiva luciferina da metafísica, seu remendo quando seca o seio da borda
leitor e bibleitor, biblioluneta, ardendo de metas, voa lava e vê longe o engano
o engasgo dos risos não reclama, poemas com a voz de asno amo, homúnculos blues
o rio é quase pensamento, se no rio do pensamento não rio, quase o pensamento ri
suspira e sabe o logro, gangrena de ir e voltar e não perceber que deixou a chave fora
insuportáveis talismãs da graça, desato os tratos cotidianos, violento-me nuvem breu
vulgo ri de vulva, ri de ursula andress, undressed dez ursulas na gula do rameiro, da vã
riem da usura na rudeza à superfície de suas danças, seus volteios de rãs coaxantes
e os odeio, passo a ser o pessoa da máscara de falso falo o-fáustico, mordiz se riem
que não rio, ainda que o-sinalado-q-vê, e ao meu lado tv-campônios rebolam o xaxado
pesco suas caras dentadas, salivam na medula mood da máscara pessoa, o eu falho
mesmo que ao meio, divisando de um lado um paraíso grosso, de risos toscos
o esbofeteio felino de suas pelúcias, felizardos com quem não componho, sonho
não sou da vida, me diz o que em mim soa pessoa, ardido de horror não rio o rir
cobrem de ahs e rás e ulalás o misterioso gargulento, que os peçonhe o demo
foquinhas decepadas fiquem, fêmeos de ranho, e seus filhos junto, petitos jumentos
mas eu, poeta pretenso que penso, não vejo graça no que passa, o sim do incenso
odeio a turba e seus ranços, o obscurecido arremate de seus gestos, as línguas mesmo
sibilo o acidente, sei de seus indesígnios, sussurro e nada, danados dançam somente
e mentem a morte, que me atordoa a mente, rodopio mais na verdade que a corja
pois virá o final, e suar não se ensina, sabem ou não do mal os meninos que flamam?
e eu cão pactário, zenitando de cismas insisto: os saltos do palco zurram, não somam
quero o mar maquiado não quero morrer maquiado de pessoa quando salta da cena
sonhar a verdura da viga da vida, sua paginação sem bolor, como a canção de amor
nesgo o ego, galgo além e cego agasalho com as palmas a alma hologramizada
quem me diz, diz o poeta, o que diz o peixe? o que quer o bolo e que sabe o pêssego?
ir sem ser sem sempre saber o que, não não é ir, não é, não é sequer pensar em ir
e rir não me convém, penso somente e insano mesmo em espasmos de cosmovisão
se não vivo a vulgata (preso dos anagramas, do xadrez com deuses e chá com majas)
ver o riso ainda não, e menos, e a mais negra aniquilação ainda melhor que insolação
me quedo sim, rindo por dentro a carne da invenção, mas não aqui na boca da canção
não na página analfabeta, piada de peidos dos piabas, cáries satisfeitas da alienação
tanto e além são tudo e mais no meu mindinho, me diz o espelho, se canto sozinho
nada aqui tão tanto quanto além e tudo quando canto, digo sozinho eu de espanto
não tem mais nada que eu não saiba e sei tanto e ainda assim o não é que mais canto
eis do que duvida o fausto em pessoa: de haver além e tanto e não tanto quanto
de ser o canto um encanto como o sono, adormecendo não me pense o espelho, quer
e saber o muito não vale o canto ou o sono, quando não se é corpo e se é nada ou ar
a imagem é como a máscara é, e pessoa é como fausto é, e é como lúcifer sua imagem
abre o abismo para saber se é abismo, se o fundo do mundo não pode ser como deus
se o deus tem fundo, e mesmo sem fundo seria o deus ainda mais que fundo e mundo
eu peço, pessoa pede, o acesso ao ser do incenso, subir em breve e ser só moço
se o espelho com seu manto pode, depois de meu canto encanto possa, me concede
diz ser deus um osso como o meu, como o meu que espero tanto, tanateando tanto
quando eu morrer, o canto não mais será, meu medo é tanto que ainda canto e só
para que eu ouça o sal e a garganta e o fôlego de osso e o espelho diga o encanto só
(que mal é terra ser e bem é ser só terra) e espero saibas, ó vidro, o que lhe pede a voz









O poeta Ricardo Pedrosa Alves nasceu em Governador Valadares em 1970 e está radicado atualmente em Curitiba. Publicou Desencantos Mínimos (Iluminuras, 1996) e barato (Medusa, 2011). Faz doutorado em Literatura na UFPR e tem artigos acadêmicos em diversas revistas científicas, crítica literária na pequena e grande imprensa e textos criativos em revistas e sites variados. Poemas inéditos no www.naturalismopsicodelico.blogspot.com.br.